cidade = arte
Direito à cidade é um conceito radical, de raiz, muitas vezes confundido com o direito de utilizar a cidade. Não é, utilizar a cidade se chama direito de ir e vir. Falo aqui de algo mais profundo, o direito à construção e à participação popular no renascimento permanente das cidades.
Este direito nunca existiu em nosso país, foi reduzido a poder e repousa no bolso direito de nossa arcaica elite imobiliária. Estes mesmo senhores brancos ricos velhos também carregam, no bolso esquerdo da mesma calça, boa parte de nossa a burocracia pública.
O resultado é essa catástrofe urbanística chamada Brasil.
Cidades loteadas para o lucro, ausência de espaços públicos, áreas verdes ameaçadas em toda oportunidade lucrativa, mais prédios fechados pela especulação do que moradores sem casa. E então, pessoas morrem de frio em um país tropical, a cidade mais rica do continente é a que possui maior índice de doenças mentais, entre outras tragédias familiares.
Desde 2010 encontro espaço para lutar pela cidade que vejo. A luta é sempre desigual, e linda. O outro lado possui metralhadoras jurídicas e argumentos de tropa de choque, difícil fazer frente com projeções de purpurina e dança colorida. A gente continua porque é uma delícia. Chama arte.
A cidade como obra de arte definitiva. Maior realização humana. E arte como arma carregada de futuro
Falo aqui da disputa permanente, política, que constrói novas experiências de vida comum. A cor preta como fundo desta seção colorida é o símbolo da luta viva. Porque, como dizem os movimentos de moradia, entre muitos outros:
Quem não luta tá morto
Comboio / Ocupação Cultural
A luta pela moradia digna é uma questão crítica em São Paulo. Tanta gente sem casa, tanto prédio vazio. Entre 2009 e 2011 desenvolvemos núcleos culturais nas ocupações São João e Prestes Maia, olho do furacão do terceiro mundo. Uma escola crua, serumano na raça, onde aprendi que de boas intenções a colonização cultural está cheia.
Foi uma experiência intensa e dolorida, com a qual, infelizmente, não tivemos maturidade para lidar quando a grana chegou. O grupo explodiu e eu aprendi que o trabalho e a coerência precisam vir antes da grana.
Na paralela, também ficou claro como muitos movimentos sociais são estruturas hierárquicas rígidas, válidos em suas lutas e engessados em sua forma. Alheios às utopias que buscávamos ali, várias vezes a coordenação dos prédios tratorou nossa ingenuidade. Muitas vezes com justiça e, outras, com fisiologia.
Foi uma baita escola.
BaixoCentro
Era fins de 2011 e a história começa assim: chamada pública. Abre um site, explica as regras e diz: pode vir quem quiser, propõem o que tu quer fazer na rua, de graça, que gente vai produzir.
Ideia de maluco. Tínhamos uma São Paulo reprimida, sem carnaval, com Kassab e Alckmin-Jesus descendo a porrada na cracolândia. A gente gritou: AS RUAS SÃO PARA DANÇAR. No primeiro ano vieram 140 inscritos. Piscina no minhocão, tinta no asfalto, música na praça, King Kong no Banespa. No segundo, foram 537.
Foi o primeiro crowdfunding que participei. Em 2012 tentamos uma vez, não deu certo. Diminuímos, enxugamos, divulgamos melhor, tripas coração, rolou, levamos 17.103 dinheiros. No ano seguinte, foram 72.750. Dá uma olhada nesse vídeo. A coisa mais linda do mundo.
Mais uma vez, grupo lindo, trabalho foda e.. desmanche. Como é próprio dos arranjos horizontais, parece. Na busca ferrenha por desierarquizar, nos atropelamos. A delícia inicial virou meandros de micropolítica. Essa rodada de dança nas ruas acabou no ano seguinte, 2014, deixando um sorriso nos corpos cansados depois da festa e o cheiro de cerveja azeda grudada no chão.
E, melhor de tudo, a certeza de que reinauguramos uma forma de se relacionar com as ruas da cidade
Parque Augusta
A última área verde, livre, do centro da cidade. O último remanescente da Mata Atlântica no coração de São Paulo e a enorme necessidade de defender esse patrimônio. I can´t believe I still have to protest this shit.
Mas eu estou. É necessário. Eu e mais um monte de gente. Para ser franco, minha participação se concentrou nos anos de 2014 e 2015, agora sou um colaborador eventual - mais um grupo horizontal que se autodesmancha. Alguém precisa escrever sobre isso.
Todo modo, um punhado de valorosos ativistas se mantém ativo e batalha em todas as etapas possíveis da burocracia, com vitórias importantes. O projeto das incorporadoras, que previa um lucro de R$ 500 mi e movimentaria outro 1 bi no balanço das empresas, não será construído. Conseguimos que a área tenha sido declarada zona de proteção ambiental. Conseguimos, também, uma série de outra vitórias jurídico-burocráticas.
O Parque Augusta é, quer ser, o precedente semente. Uma iniciativa piloto que amadureça projeto de gestão popular sirva de experimento e exemplo para uma nova possibilidade de ação política na gestão de equipamentos públicos. Agora, para esse desejo prosperar o grupo precisa não desmanchar.
Fica o desafio.