Comunicação como ferramenta de autonomia

Educação

educação = liberdade

Em dado momento, poucos meses depois de escrever a matéria "As casas que cedem aos poucos", no interior do Ceará, levei uma crítica que me desorientou. Seguinte: "tá, então você passa meses no interior do país, contando histórias de lugares pequenos e gente pobre, buscando algum tipo de impacto de transformação?". Sim, buscando algum tipo de equílibrio narrativo, contar histórias nunca contadas sobre gente fudida do meu país. Sim, no primeiro dia de universidade, quando a professora doutora perguntou, eu respondi "Sim, jornalismo para mudar o mundo".

A crítica então continuou: "Beleza. Daí você publica no UOL, maior veículo da internet brasileira. Sei lá, 100 mil pessoas vão ler? Algo assim. E, em média, vão pensar o que, dez segundos?". Sim. Merda, isso é, quanto tempo até o próximo clique? Quase nada.

"Então, que tal você gastar seus mesmos meses, se a intenção é transformação, digo, que tal gastar esse tempo em formação local, para que aquelas pessoas possam elas mesmas contar sua história?". Pimba. Acertou em cheio.

Foi a partir desta crítica que eu fui divagar para outras possibilidades de trabalho. A diversidade de linguagens nesse site é uma consequência dessa crise com a representação de mundo que o jornalismo propõe. E, dentro da educação, esse caminho se expressa em processos de grupo voltados para a produção coletiva de conteúdo.

Como eu Vejo - mapeamento afetivo da 8a B

Dois anos de estudos e aprofundamento nos conceitos de cartografia afetiva e mapeamento amadureceram o processo da Oficina Como eu Vejo. O objetivo de um mapeamento afetivo é buscar perceber e dar forma palpável a algumas das relações invisíveis que acontecem entre indivíduos e os espaços que ocupam. O que agrada? O que agride? O que se quer transformar? Durante o processo da oficina, cada jovem participante foi provocado a responder estas perguntas livremente, expressando seus pontos de vista e posicionamentos na relação com a escola e seus espaços.

Entendendo o mapa como representação do espaço, começamos propondo a construção de representações próprias, mapas feitos à mão pelo grupo. O resultado, infinitamente melhor do que uma foto de satélite, foram essas três peças:

A próxima etapa é a definição das camadas, ferramentas de olhar para o mundo. Uma camada cartográfica é uma categoria de observação, um óculos de subjetividade que, uma vez definido, convida os participantes a olhar para o mundo a partir daquele ponto de vista. Neste exercício, as camadas definidas pelos alunos foram as seguintes:

E então, hora de pintar a escola. Cada uma das camadas foi associada a uma cor. Disponibilizamos folhas a4 nas oito cores escolhidas e preparamos um lugar tranquilo na biblioteca para conversar com todos os alunos individualmente, dando o máximo de espaço e liberdade para cada um deles expressar seus afetos, o que abriu espaço para o surgimento de pérolas como esta daqui, uma definição em primeira mão do ciclo de violência que foi colada no pátio da escola:

Este trabalho, que foi desenvolvido em parceria com a querida Bianca Oliveira e o talentoso Hermes do Nascimento, surgiu em resposta a uma provocação do projeto Aprendiz. Sua intenção inicial era provocar os participantes a ampliar seu olhar e encontrar meios para expressar sua relação com o território. Funcionou. Povoamos a escola com afetos da turma participante, que escancarou sua relação com o espaço em frases e cores coladas na porta da diretora, no pátio, na sala de aula, no banheiro, enfim, por todo o Canuto do Val.

E, além disso, o processo nos surpreendeu. Descobrimos uma poderosa ferramenta de diagnóstico das relações. Muitas sensações escondidas vieram à tona, memórias dolorosas e memórias deliciosas. Claro ficou que a violência é uma constante. A camada "lugares de agressão" e suas folhas vermelhas foram as mais comuns, resultando numa leitura que demonstrou como os únicos lugares ausentes de agressão ou sentimentos negativos foram os locais com maior valor de uso: o palco e o espaço praia, onde grupos pequenos podiam ser eles mesmos e apenas curtir, sem a interferência do grande grupo de alunos da escola.

O resultado nos encheu de orgulho e está bem representado nesta foto da porta de entrada da 8a B:

Para finalizar, fizemos este belo pdf, escrito por mim e diagramado pela Bianca, onde sistematizamos todo o passo a passo do trabalho. É um Recurso Educacional Aberto (REA), disponível para ser utilizado como for interessante. Dá uma olhada:

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M900 na Cásper Líbero

Este trabalho.. é um tipo de fracasso. Foi por causa do M900 que eu finalmente tomei vergonha na cara comecei esse site. O processo foi lindo, dois meses de aula na Cásper Líbero, em 2012, para os alunos do 3o ano de Jornalismo. A proposta era subistituir por um mapa o Paulista 900, tradicional jornal laboratório do curso, que cobre a avenida mais importante da cidade.

O resultado final foi lindo. Um mapão da avenida, recheado com quatro categorias: Abrir-se, convidando os participantes a se enxarcar da avenida; Feiras, sobre os pontos de venda nas calçadas ao redor da Paulista; Não-lugares, sobre a arquitetura da exclusão e as estratégias anti-mendigo; Vultos, sobre os habitantes que cotidianamente ignoramos em nossas jornadas.

Deu super certo. Adorei o processo, proposto pela inquieta professora e pesquisadora Daniela Osvald Ramos, a docente responsável por me convidar para dar aula na universidade.

O fracasso, porém, vem na forma da efemeridade digital. Dois ou três anos depois, veio a conta do servidor, que acabou esquecida nas caixas de entrada, e o site foi apagado. Puff, como se nunca houvera. Recado para todos que tem sua produção restrita ao mundo digital: Faça backup, hoje.

Este vídeo, baseado no poema Chypre de Fabrício Bernardes, é um dos traços que ficou deste trabalho:

Agora, faço uma montagem tosca com as imagens criadas por Petrus Lee para a versão final do site:

O site original era lindo, cheio de posts-afetos. Então, faça backup. Dois backups. Guarde um num cofre a prova de fogo e outro cofre de chumbo a prova da inversão dos pólos magnéticos, de tempestades solares ou outros fenômenos correlatos.

Um beijo e até a próxima, Paulista.

Cala-boca Já Morreu

Aqui, sou aprendiz e não proponente. O Cala-boca é um grupo foda, que já tem mais de 20 anos de profundidade na produção coletiva de comunicação na perspectiva da educomunicação. Eu participei de alguns processos com eles, ora estudando e ora trabalhando, sempre aprendendo. Todas as vezes me deixaram maior e mais complexo do que encontraram.

Em seu site, definem seus objetivos:

"Criar oportunidades para que as pessoas, independente da idade, origem e condição social, vivenciem processos de formação de grupo, pautados pelos princípios da co-gestão e apoio mútuo, e exerçam o direito à comunicação. Esperamos, desse modo, contribuir para as tantas mudanças necessárias para uma convivência justa e fraterna".

Mas isso é pouco e técnico. Na prática, eles desenvolveram a capacidade mais bonita que já vi de proposição de trabalho conjunto e, mais importante, cultivo de autonomia dos envolvidos.

Eis uma pergunta nunca feita por nossa educação arcaica: o que você quer aprender/fazer/falar? Se você pode falar qualquer coisa, o que vai dizer? Nossas escolas formadoras de drones apagam a busca pela voz própria. Lá, é mais importante decorar fórmulas do que entender sua motivação profunda. Aqui, ao contrário, a busca é por essa voz que, identificada, trabalhada, segura, será a expressão de um sujeito autônomo.

Bem mais importante do que algum jornalista bem nutrido chegar de fora e, alienígena, contar a história daquele povo, vai dizer?

brenocastroalves@gmail.com