Meu quintal é maior do que o mundo

Cartografáveis

cartografia = apropriação

Cartografar é desenhar pontos de vista sobre um mapa. Grafar sobre a carta, escrever sobre o mapa. Mapa é como chamamos aquele objeto que pretende representar um território. É um instrumento que pretende ser a representação de um todo estático, busca precisão para orientar deslocamentos em sua paisagem. Navegar é preciso. Viver não é preciso. (mochilar, então, virge maria).

O mais comum na história humana são mapas de territórios físicos. Aqui é a nossa fronteira, ali é a sua rua, mais pra lá a minha propriedade. Meu país é laranja, aquele é verde, o outro azul e essa floresta é o meu quintal. São mapas de poder, duros, servem para determinar como é o mundo.

Mas não é disso que eu estou falando.

Mapear, então, é buscar estar o mais próximo possível da realidade. Cartografar, por outro lado, é um desenho que se faz sobre o todo estático, acompanhando os movimentos de transformação dessa paisagem. A tarefa do cartografo é dar voz aos afetos que pedem passagem. Para isso, dele se espera apenas que esteja mergulhado na intensidade de seu tempo e espaço, pronto para se apropriar do que for necessário para desenhar o mundo que se forma ao seu redor. O cartógrafo é, antes de tudo, um antropófago.

Partindo dai, aprofundei na prática da cartografia afetiva, que é focar o desenho sobre o mapa na relação que cada indivíduo estabelece com o território. Para que mapear a fronteira do seu estado ou a rua da sua casa, se o satelites, os Estados, o Google e o Open Street Maps já fizeram isso tão bem? Muito mais interessado estou naqueles locais no alto do morro onde o sol de inverno bate em ângulo capaz de terminar com um relacionamento de conveniência. Também existem bairros inteiros que favorecem o ateísmo ou ruas que incentivam o consumo de sorvete de café com doce de leite. É verdade, eu já vi tudo isso acontecer.

Alguém precisa fazer um mapa pra explicar direito esses lugares que eu estou falando.

Mapas de Vista

Eu, porém, não encontrei a consistência necessária para levar Mapas de Vista pela mão até sua maturidade. Hoje ele está desatualizado, não acompanhou a transformação do mundo ao seu redor e, creio, não deve rodar nas últimas versões de Wordpress. Você está convidado a tentar, dê uma olhada no grupo de email que fala sobre a ferramenta.

Talvez o trabalho que mais teve impacto real no mundo, Mapas de Vista é um tema de Wordpress que inaugurou novas possibilidades de cartografia digital no Brasil em 2012, quando foi lançado. É um software livre e, como tal, inteiramente gratuito. Já foi baixado e executado mais de duas centenas de vezes.

Você também pode dar uma olhada no ANTIGO SITE DO TEMA aqui, mas ele está fora do ar =/. E dar uma olhada na última lista de SITES que utilizam Mapas de Vista aqui.

Mapas de Vista foi concebido e desenhado por mim e pela parceira Mariana Kz. Contratamos os programadores Hacklab, que encararam o desafio técnico para a construção da ferramenta. Sua proposta, jamais executada de acordo, é permitir o desenho livre sobre o mapa.

Cartografar afetos. Não me interessam os nomes de ruas ou as fronteiras de países. Quero saber onde foi que você estourou a tampa do dedão quando estava correndo descalço daquele cachorro, meu deus, eu tinha esquecido disso. Lembra?

Oficina Como Eu Vejo: cartografia afetiva da 8a B

Dois anos de estudos e aprofundamento nos conceitos de cartografia afetiva e mapeamento amadureceram o processo da Oficina Como eu Vejo. O objetivo de um mapeamento afetivo é buscar perceber e dar forma palpável a algumas das relações invisíveis que acontecem entre indivíduos e os espaços que ocupam. O que agrada? O que agride? O que se quer transformar? Durante o processo da oficina, cada jovem participante foi provocado a responder estas perguntas livremente, expressando seus pontos de vista e posicionamentos na relação com a escola e seus espaços.

Entendendo o mapa como representação do espaço, começamos propondo a construção de representações próprias, mapas feitos à mão pelo grupo. O resultado, infinitamente melhor do que uma foto de satélite, foram essas três peças:

A próxima etapa é a definição das camadas, ferramentas de olhar para o mundo. Uma camada cartográfica é uma categoria de observação, um óculos de subjetividade que, uma vez definido, convida os participantes a olhar para o mundo a partir daquele ponto de vista. Neste exercício, as camadas definidas pelos alunos foram as seguintes:

E então, hora de pintar a escola. Cada uma das camadas foi associada a uma cor. Disponibilizamos folhas a4 nas oito cores escolhidas e preparamos um lugar tranquilo na biblioteca para conversar com todos os alunos individualmente, dando o máximo de espaço e liberdade para cada um deles expressar seus afetos, o que abriu espaço para o surgimento de pérolas como esta daqui, uma definição em primeira mão do ciclo de violência que foi colada no pátio da escola:

Este trabalho, que foi desenvolvido em parceria com a querida Bianca Oliveira e o talentoso Hermes do Nascimento, surgiu em resposta a uma provocação do projeto Aprendiz. Sua intenção inicial era provocar os participantes a ampliar seu olhar e encontrar meios para expressar sua relação com o território. Funcionou. Povoamos a escola com afetos da turma participante, que escancarou sua relação com o espaço em frases e cores coladas na porta da diretora, no pátio, na sala de aula, no banheiro, enfim, por todo o Canuto do Val.

E, além disso, o processo nos surpreendeu. Descobrimos uma poderosa ferramenta de diagnóstico das relações. Muitas sensações escondidas vieram à tona, memórias dolorosas e memórias deliciosas. Claro ficou que a violência é uma constante. A camada "lugares de agressão" e suas folhas vermelhas foram as mais comuns, resultando numa leitura que demonstrou como os únicos lugares ausentes de agressão ou sentimentos negativos foram os locais com maior valor de uso: o palco e o espaço praia, onde grupos pequenos podiam ser eles mesmos e apenas curtir, sem a interferência do grande grupo de alunos da escola.

O resultado nos encheu de orgulho e está bem representado nesta foto da porta de entrada da 8a B:

Para finalizar, fizemos este belo pdf, escrito por mim e diagramado pela Bianca, onde sistematizamos todo o passo a passo do trabalho. É um Recurso Educacional Aberto (REA), disponível para ser utilizado como for interessante. Dá uma olhada:

DOWNLOAD

1o festival BaixoCentro

BaixoCentro: as ruas são para dançar e a cidade é para catarse. Foi lindo. Festival mutatis mutandi que está melhor explicado em seu post dentro da aba "Ativismo". Aqui, falo sobre o mapa. Em 2012, poucos meses após o lançamento de Mapas de Vista, fizemos o site do BaixoCentro, primeiro uso de fato do tema de Wordpress explicado acima.

A ferramenta foi linda, marcou a identidade visual do festival e ajudou muito a organizar as 140 atrações que aconteceram nas ruas daquele ano. O design é de Denise Matsumoto e a operação dos Mapas de Vista ficou por conta dos lindos baixocentranos, em especial Lucas Pretti, que virou noite adicionando as imagens corretas a cada um dos pins

Apenas um problema aqui. Buscando a colaboração e o faça-você-mesmo, fiz um tutorial detalhado de como alterar o mapa, para que cada participante pudesse modificar o post sobre seu evento como melhor entendesse. Não deu certo, ninguém alterou nada :/ provando que participação não é automática: requer formação de público.

Pior, cagou o servidor de malwares e vírus. O site está aqui, se alguém quiser tentar limpar. Prometo que eu ponho no ar, se algum nerd responsa conseguir.

Cartografia afetiva do CCSP

O Ônibus Hacker, essa maravilhosa máquina de erros e acertos, me proporcionou algumas experiências incríveis por aí. Fiz quatro ou sete mapeamentos afetivos junto com eles e o mais documentado dele é este que apresento aqui, feito junto ao Centro Cultural São Paulo - CSSP - um dois maiores espaços de cultura da cidade.

Tá, não sou quem vai apresentar de verdade. A repórter do CCSP fez uma longa matéria sobre a atividade, dá uma olhada aqui para entender a potência da coisa.

M900 na Cásper Líbero

Este trabalho.. é um tipo de fracasso. Foi por causa do M900 que eu finalmente tomei vergonha na cara comecei esse site. O processo foi lindo, dois meses de aula na Cásper Líbero, em 2012, para os alunos do 3o ano de Jornalismo. A proposta era subistituir por um mapa o Paulista 900, tradicional jornal laboratório do curso, que cobre a avenida mais importante da cidade.

O resultado final foi lindo. Um mapão da avenida, recheado com quatro categorias: Abrir-se, convidando os participantes a se enxarcar da avenida; Feiras, sobre os pontos de venda nas calçadas ao redor da Paulista; Não-lugares, sobre a arquitetura da exclusão e as estratégias anti-mendigo; Vultos, sobre os habitantes que cotidianamente ignoramos em nossas jornadas.

Deu super certo. Adorei o processo, proposto pela inquieta professora e pesquisadora Daniela Osvald Ramos, a docente responsável por me convidar para dar aula na universidade.

O fracasso, porém, vem na forma da efemeridade digital. Dois ou três anos depois, veio a conta do servidor, que acabou esquecida nas caixas de entrada, e o site foi apagado. Puff, como se nunca houvera. Recado para todos que tem sua produção restrita ao mundo digital: Faça backup, hoje.

Este vídeo, baseado no poema Chypre de Fabrício Bernardes, é um dos traços que ficou deste trabalho:

Agora, faço uma montagem tosca com as imagens criadas por Petrus Lee para a versão final do site:

O site original era lindo, cheio de posts-afetos. Então, faça backup. Dois backups. Guarde um num cofre a prova de fogo e outro cofre de chumbo a prova da inversão dos pólos magnéticos, de tempestades solares ou outros fenômenos correlatos.

Um beijo e até a próxima, Paulista.

cartografaveis.wordpress.com

Blog de pesquisa. Fichamentos e leituras de textos sobre cartografia. Vira e mexe ainda volto lá para ler. Dê uma olhada se você também pesquisa cartografia, certamente encontrará textos interessantes por lá. Tem algumas montes de coisas deste blog aqui, hoje, nos textos que você leu - já que chegou até aqui.

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